Diversas
vezes ouvimos histórias violentas e sanguinárias associadas aos povos
indígenas, como se fossem bárbaros que desprezavam a vida ou que tinham prazer
em fazer coisas abomináveis para nós, um exemplo disso é a prática do
canibalismo. Grande parte das histórias sobre a barbárie atribuída ao indígena
envolve os nativos americanos, histórias geralmente são carregadas de
preconceitos e fazem muitas pessoas enxergarem a América pré-colombiana como um
continente mergulhado na selvageria, mas será que devemos ter esse olhar sobre
nossos nativos, ou ao vê-los assim estamos sendo parciais assim como seriam
eles se nos conceituassem apenas pelo que viram no processo de conquista da
América, como se fossemos dizimadores de povos.
Sabemos é claro que nem todos os nativos
praticavam o canibalismo, mas qual será a ligação deste ato com os habitantes
originais de nosso continente?
Quando
Colombo partiu rumo ao desconhecido possuía um imaginário repleto de seres e
criaturas horripilantes que poderiam habitar o Oceano Atlântico e ao
desembarcar nas Antilhas em 1492 se deparou com povos pacíficos, uma tribo
chamada Arahuacos, por acreditar que tinha realizado o percurso planejado e
descoberto uma nova rota para a Índia chamou equivocadamente os habitantes daquelas
terras de “índios”, uma falha que repetimos até hoje. A ilha das Bahamas que os
espanhóis desembarcaram estava repleta de Arahuacos, alguns andavam nus e
outros com algumas penas para enfeitar o corpo, eles receberam os espanhóis com
muito receio e curiosidade pena que após alguns anos poucos sobreviveram,
grande parte da tribo foi dizimada pelas doenças que os espanhóis transmitiram
neste primeiro contato.
Por
mais que os Arahuacos fossem pacíficos eles só conseguiram dominar aquela
região após terem expulsado outras tribos do local, e além delas existiam
muitas outras tentando se apossar daquele território, uma delas era conhecida
como os “Caribes”, uma tribo hostil perita na arte da guerra, eles eram temidos
por comerem seus inimigos e casarem com as mulheres da tribo vencida. Neste
cenário que Colombo e seus navegantes desembarcaram e foram à procura de
riquezas. No diário de Colombo é descrito que a distinção entre os Caribes e os
Aharuacos era fácil, os primeiros são ferozes e os segundos submissos, logo da
palavra “caribe” é que da origem ao nome “canibal”, uma tradução literal desse
nome seria povo ousado ou audaz, esse nome se propagou e devido estes povos
serem canibais, algo que deixava os espanhóis aterrorizados, acabou virando uma
forma comum de rotular essa prática.

Uma outra
teoria que amplia a noção desse costume é o canibalismo como um processo
ritualístico, dando origem ao termo antropofagismo, os antropófagos, traduzindo:
aqueles que tem fome de homens, seriam os que cometem uma espécie de
canibalismo com motivos mais específicos e não apenas para alimentação. Esse
caso aparece aqui no Brasil com os índios Tupinambás e também os Tamoios,
especialistas afirmam que eles realizavam o canibalismo com outra finalidade,
para esses nativos os inimigos eram consumidos como uma forma de vingança, uma
maneira de submete-los ao poder dos vencedores, mas sem o objetivo de fazer
proveito biológico de sua carne, algo que seria entendido como antropofagia,
uma forma de se vingar através de um ritual que envolvia a prática canibal.
Observe a seguinte citação que confirma o fato:
“Não é
que eles encontrem tantas delícias em comer dessa carne humana e que seu
apetite sensual os leve a tais pratos. Por que eu me lembro de ter escutado
deles mesmo que, após tê-la comido, eles algumas vezes são forçados a
vomitá-la, seu estomago não sendo capaz de digeri-la... O Fazem para satisfazer
a raiva, mais que diabólica, que tem de seus inimigos. ” - D’ABBEVILLE, Claude.

Outro
exemplo que demoniza os povos indígenas são as práticas ritualísticas que
envolvem sacrifício, geralmente pensamos que se trata de um ato bárbaro e
totalmente cruel, mas se mergulharmos na cultura pré-colombiana talvez possamos
tentar compreender o porquê uma cena dessas era realizada frequentemente no
mundo Asteca e Maia.
Na América
pré-colombiana, principalmente entre os Astecas e os Maias, o sacrifício humano
era uma prática religiosa muito comum, eles acreditavam que os deuses se
alimentavam dos homens, assim como os homens se alimentam dos animais e
vegetais, por este motivo o sangue era algo precioso para os deuses e os
rituais de sacrifício eram necessários para poderem viver em paz e obterem
prosperidade.
Para
conseguirmos entender como uma prática tão agressiva era algo comum devemos em
primeiro lugar conhecer o conceito de morte para estas civilizações, no caso
dos Maias a morte era algo muito importante, uma morte honrada concederia uma
oportunidade de ressurreição e de gratificação divina, já uma morte por causas naturais
ou acidentais não dariam estas recompensas. Os astecas tinham uma visão
semelhante, entendiam a vida carnal como uma curta passagem diante da
possibilidade de renascer pela morte, mas além disso, acreditavam que os
sacrifícios deveriam estar presentes em todos os acontecimentos importantes
como rituais, inaugurações (de cidades e de templos) e outros marcos, a morte
era uma forma de agradar os deuses, alimentá-los para que eles abençoassem o
novo feito.
Se considerarmos estes fatores chegaremos
mais próximos de compreender os sacrifícios que estas civilizações realizavam,
outro fator importante é a questão do alimento divino, em vida nós ganhamos
diversas coisas dos deuses e para que isto continue temos de dar algo em troca
“sangue por sangue”, seguindo este pensamento muitos soberanos Maias e Astecas
realizavam sangrias, perfurações corporais com o objetivo de retirar sangue do
corpo e com ele alimentar os deuses, a população assistia os rituais e entendia
que os soberanos se sacrificavam para que os deuses fornecessem fartas
colheitas. Este ato acalmava a população e nutria a fé do povo, um dos motivos
da queda de muitos governantes Maias foram os períodos de seca em que as
colheitas não eram satisfatórias, a população acreditava que os soberanos não
estavam agradando os deuses e isto acabava em revoltas populares.
Olhar os pré-colombianos sem entender o
motivo pelo qual eles realizavam os sacrifícios e identificá-los como uma
civilização selvagem é um erro, devemos antes disto procurar entender os
motivos que os levavam a realizar tais práticas, muitas coisas que fazemos
atualmente com naturalidade podem vir a ser consideradas uma barbaridade no
futuro, tudo vai depender das descobertas e da cultura que estiver vigente
naquele contexto.

O
sacrifício animal era uma prática religiosa muito utilizada antigamente, mas
com o tempo algumas religiões pararam de praticá-la, tanto pela evolução das
leis de proteção aos animais quanto pela própria filosofia da religião que se
altera conforme os contextos históricos, logo nos tempos antigos e atualmente
ele não deve ser visto como algo errado, apenas como algo que atendia, e atende,
a determinadas necessidades culturais, isso ocorre constantemente na história,
as vezes algumas práticas são abandonados ou modificadas de acordo cm o tempo
em que vivemos.
A
história nos possibilita analisar essas práticas de uma forma mais ampla, não
apenas observa-las como um ato cruel, mas conseguir entender o vínculo cultural
existente nelas e trabalhar essa questão em nossas vidas para que ela
possibilite nossa evolução e emancipação pelo conhecimento.
Grande
Abraço
Equipe
Marcelo Lambert
Jonatan Tostes
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