O
mundo sagrado dos Maias
Farei uma reflexão sobre o
sagrado dentro do universo Maia. Assunto de extrema relevância para essa
civilização. Mas é claro que podemos pensar essa questão em nossa sociedade,
afinal estamos vivendo um tempo onde o sagrado vem se transformando em profano
quase todos os dias, pois infelizmente assistimos absurdos sociais constantemente
em nosso cotidiano.
Vista da cidade de Palenque - Chiapas - México
A Civilização Maia era pautada pelo sagrado, sendo assim,
todas as manifestações humanas eram materializadas por esse viés. Podemos citar
exemplos palpáveis na arquitetura, astronomia, arte, matemática, escrita etc.,
como também a religião que caminhava lado a lado com todos os conhecimentos
desenvolvidos pelos Maias e todas essas ações, de forma objetiva, buscavam a
perfeição.
No caso específico da arquitetura a busca pelo sagrado se
traduzia em suas construções, o requinte a beleza e a exatidão de cálculos observadas
nas pirâmides, templos e edifícios chegam a ser impressionantes. Podemos
afirmar que os Maias através dessas construções buscavam constantemente se
assemelhar aos deuses, lembrando que eles eram politeístas.
E
como esse processo se dava? Bem, no imaginário desse povo a busca do sagrado
era a busca constante pela evolução de seu espírito, sendo assim, os seus feitos
em vida eram determinantes na morte, lembrando que para os Maias o conceito de
morte é muito diferente do mundo em que vivemos hoje, ou seja, a morte não
existia, pois o tempo para eles era uma coisa única, determinando a vida como
um processo cíclico e eventos contínuos que nunca se esgotavam. Em tese a morte
só existiria se em vida os feitos não fossem dignos do sagrado.
Portanto a arquitetura não se resumia apenas a um
conjunto de construções, ou simplesmente pedras sobre pedras, é certo dizer que
as edificações possuíam “vida”, por que era idealizada nessas obras toda uma
abstração religiosa, que era fundamental para a dinâmica humana dessa
civilização.
Penso ser de fundamental importância citar a arte nesse
contexto, afinal o Maias eram exímios artistas, não só na pintura como na
escultura, todas as edificações eram cuidadosamente trabalhadas,
transformado-as em obras primas, inclusive muitas dessas preservadas até hoje
nas floretas da América Central e na Península do Yucatán, nos mostrando a intensidade
e a sensibilidade artística desse povo, sendo o mais impressionante, que esse
processo se dava em função de uma busca do sagrado através da arquitetura e
arte apresentada nessas edificações, vale lembrar que a quantidade de ornamentos
como máscaras, jóias, estátuas, enfim, eram infindáveis nas cidades-estado da
Civilização Maia.
Outro aspecto que seria impossível eu deixar de lado é o
grandioso conhecimento astronômico dessa civilização, e claro a perfeição
matemática, inclusive podendo afirmar que eles desenvolveram a mais complexa e
elaborada estrutura escrita e matemática das Américas. E para o momento
histórico mundial sendo talvez as mais “desenvolvidas” para o seu tempo, vale
ressaltar que os Maias atingiram o seu ápice por volta de 250 d.C. até 900
d.C., mas com isso vem a pergunta. Qual a relação dessas áreas do conhecimento
com a questão do sagrado? Apesar de parecer complexo é muito mais simples do
que se imagina. Vamos refletir, temos diante de nós uma civilização que busca
constantemente o sagrado e nada mais justo que buscá-lo no cosmos.
Mais do que fazer observações astronômicas os Maias
buscavam o sentido das suas realizações no cosmos, construindo calendários,
fazendo profecias, justificando dogmas religiosos, mas principalmente organizado
toda a sociedade partindo dessa relação com o Universo, pois, para eles, nós
seres humanos e todas as coisas desse planeta em que estamos inseridos, fazem
parte de um único corpo que para ser saudável tinha, necessariamente, que
possuir uma circularidade tal, que se fosse profanada iria comprometer a
dinâmica humana e planetária.
Ao fundo pirâmide das inscrições - Palenque - Chiapas - México
A mesma abstração era constante na matemática e escrita,
pois, os registros não tinham apenas aspectos administrativos como também uma
forma real de se aproximar de seus deuses, materializando assim, um caminho
legítimo para uma vida concreta e inteira sobre a luz de suas crenças.
Os Maias também enxergavam no tempo uma importante
manifestação do sagrado, em função disso a necessidade constante de marcação de
seus eventos, como também pensar o tempo como uma unidade determinante na
lógica religiosa, mais que isso, o tempo como normatizador real de todos os
acontecimentos e ações de toda sociedade Maia.
Ainda sobre o tempo gostaria de citar um pequeno trecho
do livro “Civilização Maia – História e Pensamento” de minha autoria que diz o
seguinte:
“Para
o Mundo Maia, o tempo era um elemento vivo, extremamente dinâmico e de uma
profunda complexidade, tendo inclusive vontade própria em alguns momentos. Ao
mesmo tempo ele era equilibrado e desequilibrado, gerando grandes eventos em
nossas vidas, e, o mais importante, ele se repetia a todo instante,
possibilitando sempre o retorno dos deuses. Através da observação e leitura do
cosmos os Maias viam o tempo passar, determinando os acontecimentos humanos,
tornando cada dia um grande desafio a ser vivido e superado, buscando a cada
segundo o seu clímax.”
Como
vimos na citação é evidente a grandiosa importância que esse povo dava para o
tempo e fundamentalmente o quanto eles eram fascinados pela sua compreensão.
Acredito
ser pertinente destacar neste artigo, para uma compreensão mais objetiva e
clara da busca do sagrado para essa civilização, utilizando o sentido
filosófico de Kukulkán (serpente emplumada) uma das principais deidades do
panteão Maia e conhecida também como Quetzalcoatl no caso Asteca do historiador
e filósofo Enrique Peregalli, em seu livro “A América que os europeus
encontraram”
“Qual
é a mensagem de Quetzalcoatl? Sua história é a busca incansável da realização
humana. Quetzalcoatl não é um deus que outorga favores. Quetzalcoatl é um fim,
o fim do aperfeiçoamento interior, é um homem que se transforma em deus após
conseguir libertar-se do condicionamento da matéria. Ao transformar-se, mostra
aos demais homens o caminho dessa transfiguração.
Seu
pensamento considera imprescindível escapar da matéria. Como? Libertando as
faculdades criadoras do homem e não destrutivas. A libertação se efetua sobre a
natureza, considerada objeto do trabalho humano, trabalho criativo que a transforma
em cerâmicas, esculturas, murais etc.”
Pirâmide do Adivinho - Uxmal - México
Observem
que através da citação acima sobre esse deus Maia, ficam mais evidentes as
razões do modo de vida desse povo se caracterizar por essa busca permanente
pela perfeição, afinal, a vida era
regulada por essa busca incessante da vitória do determinismo da materialidade
e a superação dessa premissa era conquistar o seu lado criativo e
transformador, principalmente chegar próximo de seus deuses.
Cidade de Uxmal - México
Tenho
o costume de dizer que os Maias nos deixaram vários legados e acredito piamente
que essa busca pelo sagrado como rotina humana dessa civilização se caracteriza
como uma dessas heranças. Desta forma eu insisto para que façamos uma reflexão
sobre nossa sociedade atual, trazendo aqui algumas perguntas.
Como
enxergamos o outro? Alguém que devemos disputar, concorrer ou superar? Ou como
deve ser: seres humanos e, como tal, sagrados?
Como
estamos tratando o meio ambiente? O nosso planeta?
Estamos
colocando o capital acima do humano?
E
nossas crianças, manifestação objetiva do sagrado, como nós estamos tratando e
educando?
Creio
possuir uma infinidade de questionamento que poderia citar, mas talvez possa
resumir em poucas palavras a questão posta.
“A
busca pelo sagrado é incansavelmente lutar por um mundo justo para todos, onde
as oportunidades não sejam exclusividade de uma minoria que teima em acreditar
que o mundo é assim mesmo, afinal é cômodo, isso é literalmente transformar o
sagrado em profano. Vamos movimentar o tempo no sentido da emancipação humana e
da equidade social.”
Muita
LUZ a todos, até o próximo artigo,
Do
Amigo,
MARCELO LAMBERT
Excelente texto com uma profunda reflexão de cunho verdadeiramente humano. Parabéns Prof., Palestrante e Historiador Marcelo Lambert.
ResponderExcluirAgradeço o cometário. Fico feliz que tenha gostado.
ResponderExcluirAbraços.
Belíssimo
ResponderExcluirSilGames, fico feliz que gostou. Os Maias realmente foram incríveis.
ResponderExcluirAbraços